Estruturas pessoais: atravessando fronteiras
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Setembro 11, 2015Neste novo número dedicado às mulheres na sociedade, o editor da Dantemag Massimo Gava encontrou-se com esta eclética senhora italiana, quem além de dirigir uma marca global, tem como missão incentivar a arte contemporânea de uma forma surpreendente e inovadora.
por Massimo Gava
Beatrice Trussardi, como o nome sugere, pertence a uma das mais prestigiosas famílias na moda italiana. De facto é atualmente presidente do famoso Grupo Trussardi. No entanto, ainda consegue arranjar tempo na sua vida tão preenchida para o seu trabalho filantrópico. Como parte da Fundação Nicola Trussardi, criou um museu itinerante dedicado à produção e exibição de arte contemporânea através de uma ampla variedade de plataformas. Além disso, recebeu prémios de todo o mundo pelo seu compromisso com projetos que visam a sensibilização da opinião pública sobre o impacto da modernização e o papel da mulher na sociedade. E ainda é mãe de duas crianças. Encontrei-me com ela no restaurante da Fundação Nicola Trussardi, próximo ao Teatro La Scala em Milão.
“Então, por onde devemos começar?”, lhe perguntei.
“Não sei”, responde-me com um sorriso.
Então que tal dizer-me quem é a verdadeira Beatrice Trussardi?”
Beatrice faz uma pausa antes de responder, como se tivesse ficado desconcertada pela minha pergunta, mas rapidamente entra no seu ritmo.
“Sou uma criadora de projetos que abrangem muitas áreas. Vão desde o mundo da moda até a arte e a cultura, com a especial preocupação na responsabilidade social e ecológica. Gosto de patrocinar projetos que nunca foram experimentados antes”.
“Imagino, dentro do contexto italiano, que há muito por aí que possa fazer, certo?”
“Sim há, e nós estamos muitos felizes por poder cumprir a nossa parte”.
“Pode falar-nos um pouco mais sobre o que implica este museu itinerante ?”
“Realmente não é um museu como os outros, funciona mais como uma agência que coloca e organiza eventos culturais relacionados com a arte contemporânea. Este ano em Novembro faz onze anos que começamos. Costumávamos organizar exposições de arte aqui no edifício da Fundação Trussardi; depois pensamos que queríamos que os italianos soubessem mais sobre a arte contemporânea mundial, porque sentimos que havia uma falha de conhecimento fora desta área. Veja que aqui em Itália estivemos expostos a toda a espécie de disciplinas contemporâneas- conhecemos o teatro contemporâneo, a música e literatura contemporânea mas arte, na maneira de pensar dos italianos, é uma coisa que está mais associada ao passado histórico, essa herança única dos nossos antepassados com a qual crescemos e é a inveja do resto do mundo”.
“Compreendo. Portanto queria que os italianos tivessem uma melhor perceção da arte mais atual?”
“A arte contemporânea não tem sido assim tão visível. Queríamos preencher essa lacuna. Com Massimiliano Gioni, o nosso diretor artístico, decidimos chegar ao público e criar novas mostras em locais diferentes cada vez, trazendo de volta à luz do dia lugares esquecidos na cidade, e ao mesmo tempo ligando a história destes lugares maravilhosos à arte contemporânea. É por isso que somos um museu itinerante, nos movemos reinventando a cidade”.
“Pensa que ainda poderá ‘viajar’ para fora de Milão?”
“De certo modo já o fazemos. Se encomendamos uma mostra completamente nova ou incluímos uma nova peça na retrospetiva de um artista que tenhamos financiado, ele é livre para fazer o que quiser com a sua obra: pode vendê-la a um museu ou a uma galeria de arte ou dar a volta ao mundo com ela.”
“Como é que seleciona os seus artistas?”
“Primeiro escolhemos a localização e depois Massimiliano faz a correspondência do artista com o local.”
“Não é difícil combinar as duas coisas?”
“Essa é parte do desafio!” responde com um sorriso. “Trabalhar com pessoas criativas é excitante mas algumas vezes pode tornar-se demasiado extravagante com as suas exigências, mas os nossos colaboradores são eficazes a manter os excessos sob controlo! Tudo o que queremos é dar ao artista a hipótese de se tornarem conhecidos em Itália.”
“Também procura novos talentos?”
“Não os procuramos ativamente, porque é uma tarefa completamente diferente; a maior parte dos artistas que exibimos já atingiram um reconhecimento internacional em diferentes bienais ou noutros eventos de arte contemporânea”.
“Também chefia um dos mais reconhecidos grupos de moda de Itália. Onde é que está a marca ‘Made in Italy’ hoje?”
“Onde sempre esteve: sinónimo da criatividade Italiana e do copyright. A verdadeira marca ‘Made in Italy’ apresenta a criatividade conseguida em Itália, garantindo assim ser um produto do grande savoir-faire italiano.”
“Não a preocupa o facto de muitas marcas italianas estarem a ser compradas por companhias estrangeiras?”
“O problema não é tantas marcas italianas estarem a ser vendidas a companhias estrangeiras (isso é uma escolha de negócio), mas de nós italianos sermos incapazes de criar uma rede para reunir recursos e nos ajudarmos mutuamente a alcançar um maior crescimento de mercado. Veja que nem todas as marcas num grande grupo são igualmente bem sucedidas, mas no todo o grupo é forte. O que até agora tem sido criado foi graças ao trabalho de alguns poucos financeiros internacionais, e não ao trabalho de criativos e designers de moda. Em Itália ter tanto os financiadores como os criativos a trabalhar num grande grupo ainda não é uma realidade. A nossa herança de um forte individualismo que nos torna tão ferozmente fechados é boa para algumas coisas mas não para outras. Espero por mudanças com uma nova geração.”
“Tem sido dito que o século 20 foi o tempo das aparências enquanto o século 21 se supõe que seja o tempo para apenas ser. Onde estamos nós , na sua opinião?”
“Penso que estamos no meio.”
“Como mãe, o que ensina aos seus filhos?”
“Ensino-os a serem curiosos com a vida e preocupo-me, espero, com as suas necessidades, como qualquer outra mãe o fará, mas também os ensino que há limites. Penso que é importante que cresçam tendo a noção disso.”
Quando assumiu a chefia do grupo Trussardi em 2002, depois da morte repentina do seu pai Nicola, Beatrice Trussardi estava na casa dos trinta anos. Juntamente com a sua irmã Gaia, a mãe Maria Luísa e o irmão Tomaso, assumiu o negócio de família, fundado pelo seu avô, Dante, em 1911, com cada vez mais sucesso ao ponto de o grupo planear agora durante o ano de 2016 a abertura mundial de oitenta novas lojas com o logótipo da marca, um galgo cinzento.
Mas para além da sua perspicácia para o negócio, o que é impressionante em Beatrice Trussardi é a sua capacidade de transformar a sua curiosidade em projetos que depois oferece ao público numa variedade de formas alternativas. Quer seja com o museu itinerante ou com outras missões em que se envolva, Beatrice Trussardi tem um papel importante internacionalmente. Com a sua inovadora filosofia de negócio, consegue comunicar aquilo em que acredita sem negligenciar a importância da responsabilidade social. Este papel ninguém com impacto global o devia esquecer quando se preocupa não só com o seu país mas também com a modernização do planeta.